sexta-feira, 27 de novembro de 2009

La Lispector

Dizem que um shtetl ucraniano era algo pior do que um gueto, pois se nos guetos havia saneamento, nos shtetl - desculpem a expressão - as pessoas cagavam na rua. E foi num destes shtetl que Clarice Lispector nasceu no ano de 1920, tendo porém a sorte de sobreviver e escapar da medonha realidade dos progroms soviéticos, onde - segundo os dados da Cruz Vermelha - as pessoas se alimentavam dos “defuntos excedentes”. Este prelúdio é bastante contrastante com a imagem que temos da escritora chiquérrima e introvertida que, não obstante, foi o nome feminino mais brilhante e influente da literatura brasileira do século XX. Os traços biográficos mais remotos que entrevemos na obra de Clarice nos conduzem a uma infância de felicidade clandestina nas ruas do bairro judeu de Recife: onde ela se vestia de papel crepom para brincar nos blocos de carnaval, apaixonava-se pelos cachorros vadios, escrevia estórias para o caderno infantil do Diário de Pernambuco (quase sempre rejeitadas), e deixava-se hipnotizar pelo violino de um velhinho expatriado e melancólico como ela. Tudo isso tem o nostálgico sabor dos contos de Isaac Bashevis Singer, todavia a vida de Clarice Lispector, bem como sua narrativa, são quase kafkianas. Quando tinha apenas 17 anos de idade, mas já uma moça linda, profunda, estranha e perigosa, Clarice escreveu seu primeiro romance, “Perto do coração selvagem”, que sacudiu todo o mainstream literário nacional dos anos 40. Desde então a grife Lispector começou a se expandir, compondo uma lenda em que se confundiam Marlene Dietrich e Virginia Woolf, ou segundo a definição do crítico americano Benjamin Moser: “um Kafka com propensões a tailleurs Chanel!...” Que fosse estilosa não resta dúvida, mesmo as fotos da velhice (precipitada pelo câncer) revelam isso. Mas, a bem da verdade, o charme emanava mesmo era da escrita. Embora não seja unanimidade, Clarice Lispector em algum momento acaba nos deslumbrando, quer seja pelo inusitado dos enredos, dos personagens ou mesmo só da narrativa... e que narrativa. Quando publicou seu segundo romance logo notaram que se tratava de um caso único e inimitável: um texto intrigante, com algo de sonho, de fantástico e, não raro, de absurdo, de alucinação, de pesadelo. E o elemento fundante deste texto era um inesgotável veio poético. Ávida de sensações e impressões, o empenho constante de Clarice era captar as mais extremas experiências pessoais e depois expressá-las numa linguagem também estritamente pessoal, de súbitos milagres verbais. Tal processo invariavelmente resultava numa policromia difusa que lembrava o pontilhismo da pintura de Van Gogh - com sua perspectiva imprecisa, as cores fortes e contrastantes de uma realidade desconcertante. O perigo imediato de tudo isso, bem sabemos, é a gratuidade artística. Com efeito, Clarice só alcança a plenitude em narrativas curtas: contos, crônicas, cartas e pequenas novelas. Na amplidão dos romances a estrutura pouco definida de suas narrativas tende a evanescer. Há na autora uma irresistível tendência para a fuga ao enredo. A fluidez, a nebulosidade, a dispersão conspiram contra a elaboração discursiva longa - exceto as de Proust. Clarice não analisa, não narra, apenas poetiza. Fascina-a o “como”, e não o “por que”, nem o “para que”. Em consequência, seus romances são confusos, ora tediosos ora difíceis de acompanhar. Lemos suas páginas não como partes de um mesmo corpo estético, mas como poemas desgarrados. Esplêndidos flagrantes poéticos, por certo, porém intermitentes, desconexos, soltos. Contudo, não sejamos implicantes, a ousadia tem seu preço e ninguém jamais ousou escrever como ela. Nas mãos de Clarice os substantivos são adjetivados, enquanto os verbos e advérbios são substantivados. E os adjetivos foram tão inusitadamente manejados que - na língua portuguesa - não se via um fenômeno semelhante desde Eça de Queirós. Um fenômeno, aliás, que resiste incólume às traduções, pois não é a toa que sua vasta legião de admiradores, cada vez mais se crescente mundo a fora, manifesta um olhar de fascinação quase demente quando comentam seu estilo. Orhan Pamuk, por exemplo, confessou recentemente que sofre de uma séria dependência estética lispectoriana (e isso em turco!); já o badalado Colm Tóibín, um sequaz obstinado, nunca perde a oportunidade de mencioná-la, seja em artigos, em entrevistas, ou mesmo no twitter. Até a best-seller furreca Meg Cabot declarou ter em Clarice um paradigma, uma meta (ainda a ser alcançada, claro!), e seu livro preferido é a coletânea de contos “Laços de Família”. Ah! Guillermo Arriaga, o mais notório romancista mexicano, disse que não é possível ler Clarice Lispector, sem cair de amor por ela. E, last but not least, o literato americano Benjamin Moser, já citado, crítico e expert em literatura judaica do século XX, tem se dedicado a descobrir que segredos tem Clarice, e, por tabela, entronizá-la no moderno cânon judaico. Que assim seja. Ela merece, porque, em literatura, a linha delicada entre destreza e genialidade não é outra senão a linha que demarca o recurso a uma linguagem comum e a produção de uma linguagem própria, que, a princípio estranha e idiossincrática, acaba por tornar palpável a marca invisível das nossas experiências. E foi isso que Clarice fez. Mesmo nos textos mais difíceis, podemos e devemos apreciar a sua arte com o fascínio intrigado de quem contempla a insondável palpitação dos céus noturnos... à hora das estrelas.

STRIKE A POSE

Uma vez Clarice Lispector disse que detestava ser fotografada, mas não é o que parece... Entes livros, jóias, taillers, e muitas caras e bocas, ela foi provavelmente a escritora mais fotografada (e fotogênica) do Brasil. Quase uma top-model da literatura:






Para saber mais...


O escritor e crítico norte-americano Benjamim Moser, conta toda a trajetória de Clarice Lispector, desde a origem miserável e violenta na Ucrânia - onde ele passou um ano escavando vestígios - até o póstumo reconhecimento internacional.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Entre densas nuvéns de incertza, o relampejar da esperança...


"Alivia a minha alma, faze com que eu sinta que Tua mão está dada à minha, faze com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade. Faze com que eu sinta que amar é não morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte. Faze com que eu sinta uma alegria modesta e diária. Faze com que eu não Te indague demais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta. Faze com que me lembre de que também não há explicação porque um filho quer o beijo de sua mãe, e no entanto ele quer, e no entanto o beijo é perfeito. Faze com que eu receba o mundo sem receio, pois para mim esse mundo é incompreensível, e eu fui criada também incompreensível, então é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la. Abençoa-me para eu viva com alegria o pão que eu como, o sono que durmo, faze com que eu tenha caridade por mim mesma, pois senão não poderei sentir que Deus me amou. Faze com que eu perca o pudor de desejar que na hora de minha morte haja uma mão humana amada para apertar a minha, amém."


Prece,


Clarice Lispector.

Beth Goulart vive Clarice Lispector


Eu não vi, nem sei se verei (moro na beirada do mundo!), mas a crítica eXpecializada disse que "Simplesmente eu, Clarice Lispector", estrelado, produzido e dirigido por Beth Goulart, é, certamente, um dos melhores espetáculos teatrais do ano. Adoraria conferir.

No momento: lá pelas bandas dos pampas gaúchos.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Eu acho que vi leitores!... Vi sim!!!


Oi, tudo bem com vocês?
Pois é sumi por um tempo, eu sei, mas vocês acreditam se eu disser que foi por pura necessidade? O mundo me atropelou nos últimos meses, mas um atropelo daqueles a La Macabea no fim de "A Hora da Estrela", de Clarice Lipsector, sacumé? A vida me manteve ocupado por demais, demais até pra vir aqui.
No final do processo eu pensei em desistir dessa biblioteca: livros demais para meus pobres ossos!... Pensei mesmo. Que sentido manter um blog que você não consegue atualizar? Aliás, o que é um blog senão um monte de atualizações? No meu caso, isso aqui tem uma atualização cada dia, ou melhor, cada bimestre mais precária.
Daí eu cogitei parar. Foi então que lembrei que isso aqui tem já 2 anos, que isso aqui já trouxe pra minha vida um bocado de gente boa, legal, inteligente, que esse blog me ensinou um monte de coisas, que falei de um monte de escritores que merecem uma releitura, uma redescoberta, e são tantos. Como desistir dele?
Não deu :)

Continuo por aqui. Muito menos frequente do que gostaria e do que já fui um dia, but... faz tempo que descobri que não se pode ter tudo. Rá! :P

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Leitura aeróbica


Ouve a última: Em uma hora de leitura, o corpo queima 70 calorias. Se você estiver lendo sobre qualidade de vida, queima o dobro. Qual a lógica disso? Alguém pode me explicar onde entra a ciência nessa história? Por via das dúvidas, biblioteca aqui vou eu.