terça-feira, 31 de julho de 2007


Vocês que vivem seguros

Em suas casas aquecidas

Vocês que, voltando à noite,

Encontram comida quente e rostos amigos,

Considerem se é isto um homem

Que trabalha na lama

Que não conhece paz

Que luta por um pedaço de pão

Que morre por um sim ou por um não.

Considerem se isto é uma mulher

Sem cabelos e sem nome

Sem mais força para recordar

Vazios os olhos e frio o regaço

Como uma rã no inverno

Pensem que isto aconteceu,

E prescrevo estas palavras

Gravem-nas nos seus corações

Estando em casa ou andando na rua,

Deitando-se e levantando-se;

Repitam-nas aos seus filhos

Do contrário, que desmorone a tua casa

A doença os torne inválidos

E que seus filhos virem o rosto para não vê-los.


Primo Levi

Um Egresso do Inferno


No primeiro capítulo do Livro de Jó, lemos que o servo que lhe dá a notícia da desgraça que se abateu sobre sua família, encerra o testemunho dizendo: Só eu sobrevivi para contar!(Jó 1:15)... Todas as vezes que leio esse versículo bíblico, ouço na voz desse servo de Jó a voz do escritor Primo Levi, um judeu italiano, nascido em Turim em 31 de julho 1919, e que só descobriu o total significado de ser judeu entre os anos de 1944 e 1945, quando foi ao inferno e voltou.
Essa terrível experiência de conhecer a total ausência de Deus teve início num dia em que, retornando do trabalho para casa, foi surpreendido e preso por uma milícia de demônios fardados, que depois o enfiaram numa carruagem de um comboio de gado para uma viagem de cinco dias, que o levaria até um lugar do qual jamais ouvira falar: Auschwitz! - o primeiro ciclo do inferno. Com ele partiram 650 judeus italianos, dos quais somente Primo Levi sobreviveria.
E sobreviveu para contar.
Para falar a verdade, no começo ele queria esquecer, queria apagar tudo de sua memória, onde a dor se perpetuava e as imagens do inferno continuavam nítidas. Quando saiu de lá após 11 meses, tinha envelhecido décadas e levava só a pele sobre os ossos, o que já era muito. Aos milhares, seus companheiros saíram antes como se dizia à época, pela chaminé, em forma de densa e acre fumaça negra. Mas todas as manhãs, até o final de sua vida, ele continuou sendo despertado pela voz do diabo. Uma voz bem conhecida que pronunciava uma única palavra, que não era imperiosa, apenas breve. A voz de comando do amanhecer de Auschwitz, uma palavra estrangeira, alemã, temida, esperada: "Wstawách!. Levanta-te."
Por isso decidiu contar, ou melhor, escrever. Queria exorcizar a voz desse diabo com doses cavalares de poesia crua, simples, direta e rasgante, que deixa um nó na garganta de quem lê. E assim narrou, sob a óptica da vítima, a produção em escala industrial da morte, levada a cabo pelos nazistas chefiados por Hitler, Eichman, Himmler, Heydrich e Hermann Goering. Mas, afinal, o que é o homem, o que é a raça humana? O nazismo não só aniquilou vidas, mas exterminou a dignidade. O título de sua obra mais conhecida, É Isto um Homem?, é auto-explicativo.
Além de É Isto um Homem?, destacam-se os livros A Trégua (1958), Os Afogados e os Sobreviventes (1986) — todos sobre a Segunda Guerra Mundial —, mas também o extraordinário A Tabela Periódica (1975), em que Levi relata, em especial, seus anos em Turim anteriores à guerra. Aqui, com um autêntico virtuosismo de composição narrativa, Primo Levi organiza os episódios de sua biografia conforme a distribuição dos elementos químicos da tabela periódica.
A estes livros e aos muitos poemas, ele acrescentou vários contos absurdos ou de humor, pelos quais tentava fugir das lembranças do terror - coisa que nem sempre era possível. Sempre que tentava se libertar da memória, Levi enveredava pelo pessimismo e autodestruição. E mesmo quando nos fazia rir continuava triste.
Talvez tenha sido por isso, que numa manhã de abril de 1987, ao concluir a tarefa de testemunhar - que o prendera à vida desde esse dia já longínquo de Janeiro de 1945 em que ganhara a batalha impossível da sobrevivência contra Auschwitz - a memória tornou-se-lhe insuportável. E numa atitude desesperada, mas condizente com alguns personagens de seus contos, ele se matou.
Não sei se podemos condená-lo por este ato, e não sei se lê decorre da dor, do medo, ou do medo da dor. Só sei que, para Primo Levi, o mundo que permitiu o Lager de Auschwitz ainda não havia desaparecido. Se aconteceu – disse ele ao escritor Philip Roth - pode acontecer de novo!...
E ele não queria ficar para contar.

Ficou com vontade de ler?


Numa livraria próxima de você.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Tal pai, tal filho!

O que no pai era apenas pseudônimo, nele tornou-se nome próprio, só que acrescido de um Fils no final para dar distinção, ficando então como Alexandre Dumas Fils (Filho), ou simplesmente Dumas Filho. Mas a despeito da semelhança de nome e até mesmo física, Dumas pai e Dumas filho eram bastante diferentes, quer moral, quer artisticamente.
Quando Dumas pai, em 1831 alcançou o auge de sua reputação literária e, consequentemente, sua estável situação financeira, descobriu que tinha um filho com Marie-Catherine Labay, a mulher que costurava seus ternos e a quem ele recorria nos momentos de fogosidade. Nessa época o menino já estava crescidinho e até então fora vítima, bem como sua mãe, da chacota maldosa dos vizinhos e parentes. A triste lembrança desse período o acompanharia a vida inteira e seria expressa nos últimos romances: O Filho Natural e Um Pai Pródigo.
Mas o Dumas pai, como não tinha outro filho, nem era tão egoísta quanto se supunha, foi sensível ao sofrimento do garoto e apressou-se em reconhece-lo publicamente, logo exigindo sua guarda. A mãe, que não foi objeto da mesma compassividade, tentou fugir com o filho, mas não conseguiu. A amargura dela só teria fim quando o filho se tornasse famoso.
Tantos transtornos e conflitos dariam ao pequeno Dumas uma índole sisuda e pensativa, bem como um temperamento calmo e um tanto melancólico. Noutros termos daria um personalidade bem diferente do genitor que era um consumado fanfarrão.
A relação com esse fanfarrão, entretanto, era boa, muito boa. O velho Dumas o mimava e dava-lhe de um tudo – talvez na tentativa de amenizar a ausência da mãe. E ao perceber que o filho herdara sua imaginação e talento, outra vez apressou-se em abrir-lhe o caminho do concorrido mundo da literatura, publicando então uma coletânea de versos que o garoto havia intitulado de Pecados de Minha Juventude.
Por falar em pecado, o pai também não poupou meio de propiciá-los: em 1844, o velho fanfarrão contratou a cortesã mais sofisticada e desejada de Paris, Marie Duplessis, para iniciar o jovem Dumas nos mistérios do amor. Ela era jovem como ele, e além dos muitos atributos físicos, era também inteligente e sensível. Com efeito, sobreveio uma paixão tão furiosa que eles puderam se amar tanto, ou até mais do que estava previsto no contrato.
Todavia, devido aos muitos e poderosos amantes de Marie Duplessis, eles nunca puderam firmar a união. E após três anos de amor clandestino, ela morreu deixando terrivelmente só e desolado. Para se consolar, o jovem Dumas escreveria sua obra-prima, A Dama das Camélias, um dos mais belos romances da literatura francesa.
Pela ocasião de seu lançamento, a história teve uma repercussão discreta, porque era um romance pouco romântico e um tanto realista (leia-se imoral). O velho Dumas pai sugere então que o filho faça uma adaptação para o teatro. Ele segue o conselho e obtém êxito imediato, e não só na França, mas em toda a Europa e na América do Norte. O sucesso da peça, além de alavancar sua carreira, possibilitar-lhe-ia a independência financeira e a dignidade de sua mãe.
Mas esse sucesso também teve um efeito contrário, visto que acabou ofuscando a produção posterior do autor. Até hoje muitos acreditam ser essa peça sua única criação literária. Ledo engano! Sua obra é tão ampla quanto encantadora e precisa ser redescoberta, pois o que mais a caracteriza é a imensa compaixão que demonstra pela mulher, principalmente a marginalizada.
Suas páginas são uma denuncia constante da hipocrisia que gera mães-solteiras e que relega muitas moças à prostituição só por terem ousado amar antes ou fora do matrimônio. E essa denúncia é feita com conhecimento de causa.
Certamente isso explica o fascino inesgotável da heroína da Dama das Camélias, pois nelas Dumas não retrata apenas a rica e desafortunada cortesã Marie Duplessis, mas também a pobre igualmente marginalizada Marie-Catherine, sua mãe.
A Dama das Camélias é síntese dos dois grandes amores da vida de Alexandre Dumas Filho, e os dois lados da mesma moeda.

Paixão que inspira palavras que inspira música...

No dia em que "A Dama das Camélias" foi encenada a primeira vez na Itália, o maestro Giacommo Verdi ficou tão comovido pelo drama daquela moça transviada, que se sentiu no dever moral de recontar musicalmente todas as sua desventuras. E assim fez, com estilo e letra totalmente diferentes do de Dumas Filho:

Trecho de Libiamo ne’lieti calici, ária mais famosa da ópera "La Traviatta (a transviada)" inspirada na Dama das Camélias.

terça-feira, 24 de julho de 2007

De Capa e Espada!


Seu nome verdadeiro era Dumas Davy de la Pailleterie. Mulato, filho de um general de Napoleão, e neto de uma escrava com um marquês decadente – de quem adotou o nome de Alexandre - ele passou a posteridade como um dos mais emblemáticos e controvertidos autores de romances históricos e novelas de aventura. Antes disso, porém, ele brilhou no teatro, sendo responsável por um dos primeiros triunfos da dramaturgia romântica: Henrique III e sua Corte – peça histórica de enorme sucesso que o projetou nos círculos literários. A simpatia do publico era (e ainda é) uma constante em sua carreira, todavia o mesmo não se pode dizer da crítica.
Megalomaníaco, de uma presunção ilimitada, Alexandre Dumas, ainda quando estreante, já supunha-se o grande gênio do seu tempo – o que poderia ser verdade se não tivesse sido contemporâneo de Vitor Hugo, Balzac e Sthendal, dos quais sempre permaneceu aquém. A crítica de sua época (e de todas as épocas) jamais o compararia a esses titãs. Devido ao caráter «popular» e «comercial» (Sainte-Beuve, em 1839, dirá «industrial») da sua obra, Dumas era visto como um escritor de segunda categoria, o Bernard Cromwell do século XIX, frequentemente considerado um caso não de «alta» mas de «baixa» cultura – quando se lhe não punha mesmo em causa a propriedade da aplicação do termo «literatura».
Alexandre Dumas, diziam os críticos, era muito vulgar.
Não obstante, contrariando a opinião da crítica, Dumas continuava (e continua) queridíssimo pelo público, inclusive por aqueles titãs que a crítica tanto estimava. Vitor Hugo, por exemplo, dizia que só Alexandre Dumas sabia romancear a história!... De fato, nesse sentido, ele era ímpar. Mesmo sabendo que a História tendia a exigir mais nuanças, mais ambigüidade do que estaria acostumado o enredo dos folhetins, Dumas compensou esse detalhe recorrendo aos seus dotes de excelente dramaturgo, e, com efeito, deu vida aos acontecimentos criando personagens secundárias que agiam na História, buscando segredos de alcova, mexericos de outros tempos, recriando enfim a atmosfera da época retratada. E refazia assim uma História que, sendo mais cheia de aspectos cotidianos, conseguia ser mais "real" que aquela que se lia nos livros tradicionais de historiografia, exatamente como desejava o público de sua época.
Foi então com essa receita que compôs algumas de suas obras primas.
Bom é dizer que ele também contou com o serviço de ghost-writers, ou melhor, com a colaboração de alguns bons amigos que o ajudavam a escrever a quatro, ou mesmo seis mãos. Fique bem claro que a concepção do enredo e dos personagens era toda dele. Os amigos apenas davam uma retocadinha nos detalhes. Entres estes estava o poeta Gerard de Nerval e o escritor August Maquet (hoje esquecido).
A propósito, é com Maquet que Dumas escreve o primeiro livro da série que lhe daria fama internacional: Os Três Mosqueteiros!... Nele aparecem os heróis Athos, Porthos, Aramis e D’artagnan. Sua trama altamente elaborada, cheia de ação, com boas doses de humor e erotismo, faz do livro êxito instantâneo. Poucos meses depois de sua publicação, surgiria outro sucesso: O Conde Monte Cristo (o meu preferido), para o qual, além de Maquet, houve a colaboração de P.A. Fiorentino. Na esteira viriam a Rainha Margot, O Visconde de Bragelonne (do qual faz parte O Homem da Máscara de Ferro), e uma excelente biografia romanceada de Napoleão.
Por causa da colaboração dos amigos, os críticos chegaram a acusá-lo de charlatão, farsante e aproveitador, e diziam que sua obra era composta de livros bastardos. Dumas não dava a mínima a essas acusações, e tampouco o público, cujo interesse e admiração permeneceu (e permanece) inalterado até hoje. Em si falando de bastardia-literária o único sucesso que o velho Dumas teve foi o escritor e herdeiro Alexandre Dumas Filho!... Mas isso já é outra história.

Leiam e tirem suas próprias conclusões.

Passa na locadora e pega um Dumas...





Altamente recomendado para um fim de semana chuvoso!

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Il Poeta Nuovo


Pedra angular da moderna poesia lírica e um dos poetas mais influentes da literatura ocidental, Petrarca soube integrar os valores da antiguidade greco-romana a um cristianismo aberto à razão e emoções humanas. Inaugurando assim o Dolce Stil Nuovo, no qual ocorre a fusão entre fé e paixão, dogma e razão, e, principalmente entre o conflito e a mudança que anunciaria o Renascimento e a modernidade.
Filho de um rico tabelião florentino, Francesco Petrarca começou por estudar direito, mas, tendo ficado sem recursos após a falência do pai, resolveu exilar-se na Provença, onde se tornou padre e, com os auspícios da Igreja, pôde dedicar-se à poesia. Dizem que ele era um jovem extremamente piedoso e de reputação irrepreensível, por isso ao receber as ordens menores, passou a contar com a proteção do cardeal Giovanni Colonna de Arezzo, onde foi morar. Mas, por ironia do destino ou desígnio divino, seria justamente em Arezzo que sofreria a grande crise espiritual de sua vida.
Na sexta-feira santa de 1327, em meio aos ofícios de trevas, Petrarca viu entrar na igreja Laura de Sade (ta-ta-taravó do famigerado Marquês de Sade) cuja beleza delicada, duplicada pela modéstia, o fez esquecer de Deus!... Nascia assim um grande amor e uma grande poesia.
Laura recebeu calmamente a adoração do poeta, mas retribuiu essa paixão com um decisivo e peremptório não. Ela era casada, muito bem casada, e ele era padre. Eis tudo. Rejeitado, humilhado e, sobremaneira, apaixonado, Petrarca sublimou-se na mais refinada poesia que a mais refinada das línguas jamais conheceu. Escreveu o Il Canzoniere (O Cancioneiro).
Antes disso, porém, teve o cuidado de mudar de nome. A princípio chamava-se Petracco, mas com o apurado ouvido de poeta, decidiu que não era uma série eufônica de sílabas. Cortando um c, adicionando um r para alongar o a do meio, e trocando o o por um a no final para fazer Petrarca (pois em latim, poeta termina em a), ele realizou um trabalho tão hábil quanto criar um bom verso.
E por falar em verso, é a ele que se atribui a instituição do soneto. Quase toda a obra de Petrarca em verso e prosa, é autobiográfica e introspectiva. São suas duas grandes contribuições ao Dolce stil novo. A prosa (contida em cartas, diálogos e relatos de viagens) descreve o que ele fez, enquanto os versos dos poemas dizem o que pensou e sentiu. Seu estilo tornou-se uma maravilhosa doença poética que assolou o ocidente por quase 400 anos - e ainda não foi erradicada. Com exceção de Dante e Boccaccio, quase ninguém fugiu ao seu contágio: Chaucer e Shakespeare, Camões e Sá de Miranda, Quevedo e Góngora, e até o nosso Gregório de Mattos, padeceram da lírica febre dos sonetos. Em Petrarca essa febre só teve fim quando a peste negra levou Laura e muito dos seus amigos. Foi então que ele voltou-se novamente para Deus e à vida monástica. Dessa fase surgiu obra primas da experiência espiritual como o Secretum ("Meu Livro Secreto"), um diálogo imaginário, intensamente pessoal e cheio de reflexões com Santo Agostinho. Rerum Memorandarum Libri, um tratado incompleto sobre as virtudes cardeais (Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança); De Otio Religiosorum ("Sobre o Lazer Religioso") e De Vita Solitaria ("Sobre a Vida Solitária"), que elogia a vida contemplativa; De Remediis Utriusque Fortunae ("Remédios para os trancos e barrancos"), o primeiro livro de auto-ajuda de que se tem notícias. Eis toda a obra de Petrarca, uma obra grandiosa e belíssima, fruto de uma imensa paixão, que todavia jamais se realizou.

Da série: Qualquer semelhança não será mera coincidência!



Soneto de Petrarca:
“Questa anima gentil che si disparte,
anzi tempo chiamata a l’altra vita,
se lassuso è quanto esser de’gradita,
terra del ciel la più beata parte.”

Em português ficaria mais ou menos assim:

“Esta alma gentil que agora parte
tão cedo levada à outra vida,
terá no céu grata acolhida
habitando sua mais beata parte.”


Agora um soneto de Camões:
“Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.”

É impressão minha ou...?

Trechos tirados dos livros: “Poemas De Amor” – Francesco Petrarca e “Sonetos De Amor” – Luís Vaz De Camões. Até os títulos são parecidos!

Para celebrar a amizade


Você meu amigo de fé,
Meu irmão camarada,
Amigo de tantos caminhos, de tantas jornadas,

Cabeça de homem, mas o coração de menino,

Aquela que está do meu lado em qualquer caminhada,

Me lembro de todas as lutas, meu bom companheiro,

Você tantas vezes provou que é um grande guerreiro,

O seu coração é uma casa de portas abertas,

Amigo, você é o mais certo, das horas incertas!

Às vezes em certos momentos difíceis da vida,

Em que precisamos de alguém pra ajudar na saída,

A sua palavra de força, de fé e de carinho,

Me dá a certeza de que eu nunca estive sozinho,

Você meu amigo de fé,

Meu irmão camarada,

Sorriso e abraço festivo, na minha chegada,

Você, que me diz as verdades, com frases abertas,

Amigo, você é o mais certo das horas incertas,


Não preciso nem dizer,
Tudo isso que eu lhe digo,
Mas é muito bom saber,
Que eu tenho um grande amigo!
Feliz dia do amigo!

sexta-feira, 13 de julho de 2007

A Torre de Babel


A vida do homem, bem como toda a história humana, é uma teia de causas e efeitos, de atos e conseqüências, à qual não se pode fugir. Essa realidade, às vezes, torna-se mais manifesta em casos particulares, como na trajetória do escritor Isaac Emmanuilovich Babel, ou simplesmente, Isaac Babel.
Cidadão russo, de origem ucraniana, ele é o primeiro escritor que me vem à mente, depois de Kafka, quando penso na moderna ficção judaica. Mesmo tendo sido ateu, é possível detectar uma contida espiritualidade iídiche em seus textos – coisa de raça. É considerado também o primeiro escritor de importância a emergir da Revolução Bolchevique. Sua obra-prima é “Exército de Cavalaria” ou “Cavalaria Vermelha”, um livro de contos baseados na guerra civil, escritos num estilo bastante rico, em que, de modo contundente, misturam-se violência e romantismo, lirismo e barbárie. Sua técnica utiliza a inesperada oposição de imagens, numa das prosas mais vivas já escritas em língua eslava desde Tolstoi. Possuía um grande poder de concisão – alguns de seus contos tem apenas uma página. Seu outro grande livro chama-se “Contos de Odessa”: divertidas histórias de judeus ambientados no gueto da cidade natal de Babel. Em nenhum outro lugar, exceto nas páginas de Babel, vejo homens de ternos alaranjados e coletes em tom bordô, e mulheres de vestidos vermelhos, calçando botas masculinas. É uma literatura peculiar e desconcertante, própria de grandes contistas como Tchekov, Gogol e Maupassant (seus prediletos). Pena que seja tão concisa!... Sua obra completa não chega a preencher mais do que um livro de bolso, porém esta medida é suficiente para perceber seu gênio. Nas quase 60 histórias curtas que compôs, irradia um talento extraordinário, que retrata a dicotomia de causa e efeito da qual foi vítima.
Babel sonhou e lutou para elevar a sociedade humana a um paraíso comunitário e material, e para isso, juntamente com outros sonhadores-ideólogos, deu início à construção de uma torre utópica. Revolucionário de primeira hora, não tardou, contudo a antever a tragédia de sua revolução, de modo que imediatamente se recusou a expressar em suas páginas o otimismo acrítico das realizações soviéticas. Ao invés disso a sociedade pós-revolucionária foi por ele descrita de forma áspera e sincera em toda a sua complexidade humana e moral. Mas aí já era tarde, a torre estava na metade. E esse desencontro com o poder soviético levou-o ao virtual silêncio durante a década de 1930 e, finalmente, à reclusão num campo de prisioneiros na Sibéria. Como outras torres ideológicas do passado, a Torre de Isaac Babel foi o ensejo de sua confusão e queda. Ele já não falava a mesma língua dos outros, era estrangeiro na cidade que havia ajudado a construir, quase um intruso. Com efeito, sobreveio o raio que o fulminaria.
Em 1940, a polícia secreta de Stalin o acusa de ser traidor, subversivo, e o executa sumariamente. Seu corpo nunca foi encontrado. Babel ajudou a dar vida ao comunismo, que depois lhe tiraria a vida. Irônica história de atos e conseqüências.

Tem coisas que só Cosac Naify faz por você...


O livro conhecido em todo o Ocidente como "A Cavalaria Vermelha" foi traduzido diretamente do russo para o português por Aurora Bernardini e Homero F. de Andrade, e recuperou o título original "O Exército de Cavalaria". Além deste, a editora traduziu o livro "Maria", com cinco contos e uma peça de teatro.
Corra para a livraria mais próxima!

terça-feira, 10 de julho de 2007

Tempo, Memória e Ciúme


Ninguém dava nada por ele. Era o objeto de preocupação e lástima da família. Asmático, sempre doentinho, queridinho da mamãe que o chamava de mon petit jaunet (meu amarelinho), mon petit benêt (meu palerminha) ou mon petit nigaud (meu idiotinha), ele contrariou todas as expectativas e logrou tornar-se num dos grandes reinventores do romance moderno, e um dos mais emblemáticos escritores do século XX. Estou falando de Marcel Proust, o antípoda e arquirival de James Joyce. Como Joyce, ele também inventou técnicas de narrar de maneira minuciosa, fascinante e, às vezes, irritante. Só que ao invés da corrente "não-lógica" de Joyce, ele criou aquilo que chamam de "phrase à tiroirs" (algo como: frase com gavetas!), um truque sintático onde uma oração após a outra é obrigada a inserir-se na precedente, criando um longo e sinuoso período que parace contido numa mesma unidade semântica!... É uma coisa difícil de ler, e às vezes de entender, mas indispensável às epifinias ou à impressão de "busca" que sua narrativa propõe.
Ainda assim ninguém esperava que fosse um gênio, tinha fama de excêntrico e frívolo – André Gide por exemplo, recusou-se a publicar seus primeiros textos, considerando-os como histórias fúteis de duquesas e coquetes (mais tarde lamentou o fato como o maior remorso de sua carreira). O mais irônico de tudo isso é que a vida mundana e as boas relações de Proust tiveram grande influência sobre sua obra, já que era sua principal matéria funcional - e essa reputação de frivolidade era o inverso de uma alta exigência artística. Ainda jovem, ele decidiu que faria a maior obra literária de sua língua, algo mais grandioso do que a descomunal Comédia Humana de Balzac!... E foi então que lhe ocorreu a idéia de escrever um livro que fosse uma ponte entre o tempo e a memória, e que ao mesmo tempo fosse suntuoso como uma cateral!... Isso consumiria vinte anos de sua curta vida, mas o resultado seria “Em Busca do Tempo Perdido”, um relato de mais de quatro mil páginas, que se estende por sete magníficos volumes, dando corpo ao romance que dividiria a narrativa ocidental em antes e depois de Proust, e que hoje quase ninguém lê.
A busca pelo tempo que se perdeu era uma dura tentativa de reunificar o próprio eu - um eu que foi esfacelado pelo ciúme que, aliás, é a matéria-prima deste romance. Proust era um homem mal-amado e, portanto, fecundo ao tratar do ciúme; ninguém jamais se dedicou de modo tão minucioso e brilhante a ilustrar essa emoção; exceto Shakespeare, em "Otelo", Hawthorne, em "A Letra Escarlate" e Machado de Assis, em “Dom Casmurro”. Os personagens de Proust juntos compõem o arquétipo do amante ciumento, ou seja, de si mesmo, procurando no tempo perdido não uma pessoa, mas a epifania do sujeito enclausurado pelo desejo, e artífice do seu próprio inferno. Em Proust o ciúme se renova como a lua, perpetuamente tentando descobrir o que nem lhe interessa mais, até mesmo depois do objeto do desejo estar literalmente enterrado. Seu verdadeiro objeto é "aquele dia, aquela hora no passado irrevogável"; e mesmo esse tempo é menos real do que uma ficção, um episódio na história de evanescência da sua própria identidade.
Por isso, "Em Busca do Tempo Perdido" é um livro que dá pena acabar. E Proust é um desses gênios que, uma vez lidos, nunca nos abandonam. Tomamo-nos de interesse pelas minúcias de sua vida pessoal, já que minuciosa e personalíssima é sua obra.

Da série: encontros inusitados!!!


No dia 18 de maio de 1922, no hotel Majestic de Paris, cinco dos maiores artistas do século XX sentaram-se para jantar. Seria a única vez que isso aconteceria. Os anfitriões eram o escritor inglês Sydney Schiff e sua mulher, Violet, que queriam comemorar a estréia do balé Renard, de Stravinsky, executado pela companhia Ballets Russes, de Diaghilev.
Embora o casal Schiff fossem os anfitriões, o mestre-de-cerimônias era de fato o coreógrafo Diaghilev. Ele era ligado a Stravinsky e Picasso, ambos envolvidos com sua companhia de balé, mas o casal queria mesmo a presença dos dois grandes romancistas modernos, James Joyce e Marcel Proust, ambos escorregadios em relação a eventos sociais.
Em um dado momento, James Joyce atravessou a porta, visivelmente alterado e paralisado pelo nervosismo, enquanto os convidados bebiam café. Ele não tinha dinheiro, chegara atrasado por ter vindo de bonde, e, o que é pior, sem smoking. Os anfitriões contudo ficaram encantados com sua presença, mas a noite só ficou completa às 01h30 da madrugada, quando surgiu “uma figura pequena e garbosa, vestida impecavelmente com um casaco de pele preto e com luvas de veludo”. Era Proust.
Joyce e Proust não se conheciam pessoalmente, mas já sabiam da fama e talento um do outro. Com efeito, antes mesmo de serem apresentados, reconheceram-se como rivais e logo a antipatia os possuiu. Mais tarde Joyce contaria como foi o encontro com o seu antípoda literário: "Nossa conversa constituiu somente na palavra ‘Non’. Proust me perguntou se eu conhecia o duque fulano-de-tal. Eu respondi: ‘Non’. Nossa anfitriã perguntou a Proust se ele já tinha lido algum trecho de ‘Ulisses’. Proust disse: ‘Non’".
O não-diálogo entre Proust e Joyce, contudo, não terminou ali, mas continuou após a ceia. Joyce, meio rústico (como os estereótipos irlandeses) entrou, sem pedir permissão e por engano, no taxi de Proust, pensando que havia sido chamado para os dois. E foi logo abrindo a janela e acendendo um cigarro. Acho que inconscientemente ele queria matar seu rival no pódio da literatura do século, porque todo mundo sabia que o petit Marcel era uma flor que podia fanar-se à qualquer corrente de ar. (A propósito, Proust morreu seis meses depois, o que deixa Joyce sob suspeita!).
Durante o trajeto que o carro fazia, Proust ia falando sem parar com o motorista, e Joyce o olhava meio de esguelha. Mas não se dirigiam um ao outro. Tanto não estavam interessados em trocar palavras que, ao chegar à sua casa, na Rua Hamelin, Proust disse ao motorista: "Por favor, peça a Monsieur Joyce que permita levá-lo até em casa". Só então Joyce percebeu o ridículo de sua situação, mas já era tarde.
É possível que além daqueles dois "Non" durante o jantar eles tenham trocado um "boa noite" ao se despedir. Mas não há registro disso.

quinta-feira, 5 de julho de 2007


Existem verdades que a gente só pode dizer depois de ter conquistado o direito de dizê-las.


Jean Cocteau

Múltiplo

De quantos braços um homem precisa para sacudir e agitar toda uma cultura? Jean Cocteau não precisou de nenhum, o gênio foi bastante...
Parisiense nascido em uma riquíssima família burguesa, Cocteau foi desde menino um rebelde discreto – um prolífico e até mesmo requintado inovador. Considerava-se antes de tudo um poeta. Mas sua idéia de poesia tinha um extenso alcance criativo que transcendia a literatura para abranger o balé e as artes visuais. Cocteau era o que se chama de esteta, mas também um dândi, e diria até um exibido. Buscava incessantemente chocar e ser aplaudido. Enquanto trabalhou como motorista de ambulância durante a primeira guerra mundial, misturou-se com a brilhante geração de artistas da qual Picasso, um amigo de toda a sua vida, foi o nome mais destacado, mas que também incluía Mondigliani, Apolinaire e Max Jacob. Todos se reunião no lendário apartamento de Gertrude Stein, onde surgiu o cubismo e a Geração Beat. A propósito, foi nesse apartamento que ele conheceu o grande amor de sua juventude, Raymond Rediguet, que faleceu aos 21 anos. A tristeza da perda fez dele um viciado em ópio por quase duas décadas, mas isso não inibiu sua produtividade. Fez seu primeiro filme, Le sang d’um Poète (O sangue de um poeta), em 1932, e seu Orphée (Orfeu), de 1950, mostrou que Paris havia retomado seu papel como sentro cultural da elegância e estilo.
Mesmo assim a caneta e o pincel foram seus melhores instrumentos.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

FLIP 2007


Sabe quem vai? Vai o J.M. Coetzee, o Amós Oz, o Art Spiegelman, Lawrence Wright, Will Self, Guillermo Arriaga, César Aira, Mia Couto, Alan Pauls, Rodrigo Fresán, Robert Fisk, William Boyd, Dennis Lehane, Jim Dodge e o Ishmael Beah!... Garotas? Vão também. Lá você encontrará as exotíssimas Kiran Desai, a Nadine Gordimer e Ahdaf Soueif!...
Agora, sabe quem não vai?
Eu!

Alice no País das Maravilhas


170 anos de lúdico nonsense.

Mundo menos interessante

Na infância foi aluno de Cecília Meirelles, na adolescência de W. H. Auden. Era primo de Antônio Cândido e Bárbara Heliodora. Amigo de Elizabeth Bishop e Samuel Beckett. E era pai dos bisnetos de Ranier Maria Rilke.
Fora isso, era um dos melhores conhecedores e fazedores de poesia do século XX.
Bruno Tolentino
1940 - 2007